quarta-feira, 14 de março de 2012

A PESTE BUBÔNICA

A ORIGEM DA DOENÇA:

As rotas marinhas mantinham íntimas relações comerciais com o Oriente. Gênova estava em contato com cidades do mar Negro, em especial na região da Criméia. Assim foram se tornando cada vez mais frequentes encontrar comerciantes genoveses levando mercadorias do Oriente para a Europa. Esta harmonia terminou quando a Criméia foi atacada pelos tártaros originários da Ásia.
No ano de 1347, os tártaros atacaram a cidade de Kaffa (hoje, Feodósia), sede comercial do genoveses. Montaram um cerco enclausurando os genoveses no interior dos muros. Durante essa ação, nos acampamentos dos tártaros, disseminou-se uma doença letal, a peste bubônica. Os tártaros adoeciam um a um e o número de mortos aumentava a cada dia, o que os impediu de continuar o cerco à cidade e os obrigou a recuar. Há relatos que os mortos eram arremessados por cima dos muros por catapultas, com a intensão de espalhar a doença entre os genoveses, o que representou a primeira tentativa de guerra biológica da História. Não se sabe quanto conhecimento os tártaros tinham sobre a doença, mas essa atitude pode refletir que tivessem algum, talvez de seu contágio.
Os genoveses ficaram aliviados quando os inimigos recuaram. Voltaram a reconstrução odas áreas destruídas. Os tártaros se foram, mas deixaram os ratos com o bacilo da peste em suas pulgas. Estes roedores habitavam as áreas de armazenagem de alimentos e mercadorias, locais próximos aos navios. Foi assim que os genoveses retornaram ao Mediterrâneo levando nas embarcações um viajante novo, que seria responsável pela maior calamidade vista na Europa até então, a bactéria causadora da peste bubônica, a Yersinia pestis.


UMA APRESENTAÇÃO DA DOENÇA:

A peste bubônica é causada pela introdução da Yersinia pestis, com forma de bacilo, na pele da pessoa. A introdução se dá pela picada da pulga do rato portadora do bacilo, este se desenvolve no local da picada e progride para os gânglios linfáticos próximos do local de sua inoculação.Os gânglios aumentam de tamanho com a formação de pus no seu interior, o que faz surgir o chamado "bubão", comum nas axilas e virilha por serem frequentes as picadas nos braços e pernas, respectivamente.
Caso atinja a corrente sanguínea, o bacilo dissemina-se por outros órgãos, é uma forma grave da doença, com maior possibilidade de levar ao óbito, instala-se: a peste septicêmica. Chegando aos pulmões, o bacilo pode ser eliminado pela respiração e tosse. Assim, suspenso no ar, os bacilos podem infectar outra pessoa por respiração ou inalação. Os que desenvolvem a doença pulmonar podem ter lesão nos pulmões, acarretando falta de ar e morte.
A peste bubônica pode ser introduzida numa região com o aparecimento de ratos, seus portadores, que têm pulgas já contaminadas pelo bacilo, ou com a entrada de imigrantes acometidos pela doença. Os ratos podem ser contaminados pelas pulgas infectadas que abandonarem os ratos mortos, o que potencializa a epidemia.
A vida medieval criava uma série de condições para a propagação da peste bubônica através da superpopulação de ratos.
Nas cidades existiam ruas e becos estreitos e mal iluminados , lamacentos e com excrementos jogados pelas janelas, além do hábito de criação de animais especialmente porcos, com carcaças destes animais jogadas nos riachos ou córregos repletos de ratos.



As Sujas e Apertadas Cidades Medievais

A privacidade não era importante na Idade Média, onde pessoas dormiam em um mesmo quarto. As famílias travavam uma luta contínua com as pulgas. Quando um dos seus membros adoecia era tratado pelos demais, que continuavam a dormir no mesmo quarto. Tais condições favoreciam não só a transmissão pela picada da pulga como por também via inalatória.
As cidades medievais acordaram num certo dia de outubro de 1347 como um dia qualquer. Mas neste dia impreciso, um certo navio genovês rumava à ilha da Sicília, e que mudaria a história de suas cidades....


OS PRIMEIROS CASOS...
Gênova, Sicília e Veneza foram as portas de entrada da peste bubônica na Europa ao final de 1347.
Na época os habitantes europeus viviam momentos difíceis. A Europa tinha uma super população, não havia mais terras para o plantio, muitas delas destruídas pelas guerras, sendo impossível aumentar a produção de alimentos.
Dessa forma a Europa entrou no século XIV enfrentando as primeiras grandes fomes.
Alguns autores apontam essa situação de fragilidade dos habitantes como fator contribuinte para a alta mortalidade ocasionada pela peste bubônica na Europa, onde a doença matou cerca de um terço da populaçãoem apenas 3 anos.
A peste bubônica caminhou para as cidades do norte, e a Itália foi um dos primeiros países que alcançou. Suas cidades, atingidas uma a uma, sem piedade, sofreram uma das maiores mortandades por epidemia ocorridas na Europa. Perderam metade dos seus habitantes, e jamais desconfiaram de que as dezenas de ratos em suas casas, que se alimentavam nas soleiras das portas, eram portadores de tamanho mal.


O triunfo da Morte, de Pieter Brueghel, "o Velho", pintado aproximadamente em 1562 uma cena em que a morte ceifa todas as vidas.


Em janeiro de 1348 a doença já alcançava as localidades do norte da Itália. Em Pisa, morriam quinhentas pessoas por dia. Florença, Veneza e Gênova perderam de um a dois terços de sua população. Em Veneza, ocorreu o pavor da peste bubônica chegar nas embarcações procedentes do Mediterrâneo, e a administração urbana decidiu que todas elas permanecessem isoladas na baía por 40 dias antes que os ocupantes pudessem desembarcar - nascia assim a quarentena.
Em julho do mesmo ano a peste já atingia a Espanha e a França. Este país também não foi poupado: morriam cerca de 500 pessoas por dia em Avigon e metade da população foi exterminada. Os dias amanheciam com filas de cadáveres às portas das casas e ruas. Os mortos eram então colocados em carroças lotadas e transportados aos cemitérios. Posteriormente  passaram a ser jogados nos rios.
Paris, com mais de cem mil habitantes, viu metade da sua população sumir pela doença, os cemitérios não podiam receber os oitocentos cadáveres que apareciam todos os dias.





Em meados de 1348 a doença foi levada da França para a Inglaterra e da Itália, atravessando os Alpes chegou às regiões da Suíça e da Hungria.
Ao todo a Europa perdeu um terço de seus habitantes. Estima-se que a peste bubônica tenha matado vinte milhões de pessoas.




MAPA DA PESTE BUBÔNICA

A população em desespero nunca tivera relato de nada igual, cabendo a Igreja orientá-la quanto às explicações e métodos para evitar o mal. Segundo os membros do clero, a peste era decorrente de castigo enviado por Deus para punir os pecados da humanidade. Deus enviou enraivecido pela quantidade de blasfêmias, avareza, usura, luxúria, cobiça e falsidade cometidas pelos mortais. Aumentaram assim as penitências na tentativa de evitar o castigo. A igreja foi obrigada a administrar a onda de autopunição que se alastrou pela Europa. Iniciou-se com grupos de flagelantes, entre duzentas e trezentas pessoas, que entravam nas cidades e pregavam a autoflagelação para cessar a ira de Deus.
Foi na Universidade de Paris, criada cem anos antes da peste chegar, que nasceu a primeira teoria científica sobre a doença; acreditava-se que o mal era transmitido pelo ar contaminado. Assim disseminaram-se pelas cidades medidas para impedir o contato com esse ar contaminado, e máscara foram adaptadas para evitar que ser respirasse diretamente o ar, fogueiras eram acesas nas encruzilhadas, as casas dos doentes eram isoladas e seus pertences queimados, cadáveres eram imediatamente enterrados, as limpezas das ruas e mercados foram  intensificadas. Os médicos punham máscara para atender os doentes.


Médico (usando máscara) que cuidava de doentes com a peste negra
De todas as medidas tomadas, a que gerou consequências mais desastrosas foi a tentativa de encontrar um culpado pra o castigo divino. Entre os culpados encontrava-se o povo judeu.
Inimigos do cristianismo, os judeus já eram segregados na vida cotidiana das cidades medievais havia muito tempo, marginalizados das atividades comerciais e impedidos de trabalhar nos ofícios diários. Também não podiam empregar cristãos, exercer profissão de médico de cristão, casar-se com cristão, possuir terras e construir sinagogas. Em decorrência desta marginalização, os judeus viviam em bairros e comunidades judaicas. Restavam-lhe trabalho autônomo tais como transações financeiras e empréstimos a juros, no qual foram se destacando e consequentemente aumentando a quantidade de devedores, motivo pelo qual a população não os via com bom olhos. Por isto eram alvos de constantes acusações e perseguições.
Graças ao hábito religioso de lavarem as mãos antes das refeições e não usarem água de poço e sim somente dos rios contraiam menos doenças infecciosas.
Esses fatos alertaram a população sobre a possibilidade dos judeus terem receio da água do poço pois poderiam ter envenenado estes.
Na época da peste bubônica, em que a população da Europa sucumbia a um mal não justificado, nada mais comum do que atribuir a culpa aos judeus, acusando-os de desencadear a doença.  Logo, deveriam ser excluídos das comunidades, para que o processo de peste terminasse. O que naturalmente favoreceria também aqueles a quem haviam feito empréstimos.
Em Narbonne, Carcassonne e Provença foram os primeiros judeus queimados em fogueiras, que se extendeu a várias outras cidades devido ao velho costume de se conseguir a confissão sob tortura.
Em Savóia mais 11 judeus foram queimados.
A perseguição seguiu o mesmo caminho que a peste bubônica, alastrando-se na mesma velocidade e trajetória da doença, do sul para o norte da Europa, quanto mais a peste se aproximava mais rápido se dava o extermínio.
Em Estrasburgo, semanas antes da doença chegar, mais de dois mil judeus tinham sido queimados, na noite de São Valentino, foram queimados vivos novecentos judeus. Acredita-se que só nesta cidade 16 mil judeus tenham sido mortos. A perseguição recomeçou quando a peste bubônica se aproximou de Mainz e Colônia: 12 mil judeus queimados. Houve um grande êxodo para terras que o acolhiam especialmente na Polônia e Lituânia onde permaneceram em descanso até o fatídico ano de 1939, início da Segunda Guerra Mundial.
A Igreja perdeu muita credibilidade diante da população. Membros do clero compravam cargos, vendiam indulgências, arrecadavam fundos para as cruzadas, relacionavam-se com prostitutas, tinham amantes e filhos e enfeitavam-se com artigos de luxo. Todas estas atitudes desgastaram a moral da Igreja, que decaiu ainda mais na época da peste bubônica, quando a instituição permaneceu impotente diante da população que sofria.
No entanto a peste bubônica serviu para aumentar as riquezas da Igreja devido ao incentivo de doação de indulgência.
A peste negra foi motivo de pânico na vida dos europeus nos quatro séculos seguintes. Após a peste negra do ano de 1347, a doença só desapareceria das cidades européias no ano de 1720, com a última epidemia em Marselha.

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