sexta-feira, 2 de março de 2012

DEUSES; GUERRAS E EPIDEMIAS

GUERRAS E DEUSES

 Os povos antigos acreditavam que os fenômenos da natureza assim como das infecções fossem obras divinas, pois em muitas situações guerras foram definidas por epidemias. No final do século VIII a.C., Ezequias, rei de Judá atribuiu à doença a defesa divina de Jerusalém. O deserto assírio sitiou a cidade para invadi-la, mas uma epidemia virulenta acometeu o acampamento, que não apresentava boas condições higiênicas, assim favorecendo a contaminação e disseminação da doença, a Bíblia relata o extermínio de mais de cem mil inimigos de Jerusalém.
Se a doença era enviada por um deus, nada mais cabível para a cura do que recorrer a um mito:
O povo grego foi o que mais influenciou a cultura ocidental, acreditava-se que as doenças eram enviadas pelo deus Apolo. A guarda de seu filho, Asclépio foi dada ao centauro Quíron, de quem obteve grande conhecimento sobre o poder das plantas medicinais.
Os doentes se dirigiam aos tempos de Asclépio e eram acomodados nos pavilhões e se purificavam por meio de jejum, banhos e óleos. Posteriormente, adormeciam e tinham a chance de se curar pelo sono, no qual recebiam entidades que os curavam ou orientavam sobre os procedimentos terapêuticos. As mortes não tinham como explicação uma infecção e sim não terem se purificado adequadamente ou ser uma doença incurável




"Puro deve ser aquele que entra no templo perfumado. Pureza é ter pensamentos sadios."
Portal do templo de Asclépio




Asclépio tinha duas filhas: Higéia, responsável para manutenção e restauração da saúde do doente, que deu origem à palavra higiene, e Panacéia, responsável pelo conjunto das substâncias empregadas para a cura dos enfermos. Enquanto várias pessoas se aglomeravam nos templos, era plantada as primeiras sementes para entender as doenças infecciosas do modo mais racional.




Asclépio, com a serpente, e os filhos Higeia, Panaceia, Machaon e Podalírio.

  

HIPÓCRATES E AS PRIMEIRAS OBSERVAÇÕES CIENTIFICAS
 

A Grécia conheceu, no século V a.C., os escritos de um médico que influenciaria não só os anos seguintes, mas os próximos séculos, ele ficou conhecido como "pai da Medicina": Hipócrates. Hipócrates contribuiu para desvincular as causas das doenças das explicações dos deuses. Ele difundiu a teoria de que as doenças são ocasionadas pela natureza e que seus sintomas são uma reação do organismo. Hipócrates escreveu sobre as epidemias e atribuiu às alterações climáticas, ventos e frio a responsabilidade pelo aparecimento de determinadas infecções.
A água de regiões insalubres de pântanos também ocasionavam diarréias e a famosa febre quartã (malária). Hipócrates postulou que tais doenças vinham dessas áreas e que portanto,  devia evitar  moradia em locais alagados e pantanosos. Hipócrates não tinha condições de visualizar os microorganismos que provocavam a diarréia nem o agente causador da malária, entretanto sua conclusão foi de grande auxílio para os médicos da época . Começaram a ser interpretados os efeitos que o meio ambiente despercebidos -  causavam ao organismo humano.



 
"Aos doentes tenha por hábito duas coisas - ajudar, ou pelo menos não produzir danos."
Hipócrates

PREVENINDO EPIDEMIAS

Mesmo com  as crenças na origem divina das doenças e epidemias, não impediram que o povo da Antiguidade já tomassem alguns cuidados com a higiene e o saneamento. Os pântanos eram relacionados ao surgimento de doenças infecciosas, as famosas febres. Assim evitavam-se construções de cidades próximas a esses locais e posteriormente iniciava-se a drenagem e o aterro dos pântanos. 
Naquela época, ao longo do Mediterrâneo, existia a malária, responsável pelas febres originárias dos pântanos. Após a drenagem do pântano eliminava-se os reservatórios de água parada  e consequentemente o local de reprodução do mosquito. Jamais se relacionou o aterro ou a drenagem à extinção dos mosquitos, mas sim ao fim do odor desagradável que a região apresentava, ou seja, ao "mau ar" que provocava as febres. Isso deu origem ao nome da febre: malária. Esta relação de causa e efeito reforçava, culturalmente a importância de água limpa e higiene para a população.
Para Roma. a  importância de consumir água potável obtida em poços evitando a ingestão no rio Tibre,  foi o primeiro passo para o tratamento de água. Construiu-se o primeiro aqueoduto - Água Ápia - no final do século IV a.C. Com o crescimento da cidade o número de aqueodutos foi crescendo, fornecendo água limpa e potável para a população, no percurso dessas construções haviam bacias que funcionavam como piscinas para a sedimentação de impurezas o que tornava a água mais limpa.


Aqueduto do Convento de Cristo (Troço dos Pegões)
 Cerca de 7km de canalização em pedra
fonte: http://www.a-rsf.org/grupos/grupo-portugal disponível em 18/04/21012
È um aqueoduto portugês construído no século XVI e XVII.
O ângulo da foto nos dá uma idéia de como a água era transportada e o número de arcos dependia da intensidade da inclinação do terreno.
Aqueoduto romano Pont du Gard
fonte: http://blog.educacaoadventista.org.br/blog/profegreice/
 disponível em 18/04/2012



Além de dispor de água limpa, Roma tinha uma rede eficaz de esgotos subterrâneos.

Imagem cedida por Eric e Edith Matson Photograph Collection/Library of Congress Prints and Photographs Division
Um aqueduto romano que ia das Lagoas de Salomão para Jerusalém
fonte: http://ciencia.hsw.uol.com.br/tunel1.htm disponível em 17/04/2012




É curioso como este sistema eficaz tenha sido construído há dois mil anos em Roma e, após a decadência do Império, não tenha sido adotado nos séculos seguintes, mas apenas no século XIX. Pelo contrário, as cidades medievais não dispunham de sistemas de esgotos, os dejetos acumulavam-se próximos aos muros e fluíram para os rios, de onde a população muitas vezes retirava a água que ingeria
 
 


Toilettes públicas da Antiguidade Romana. Como se pode ver, não havia privacidade e os homens faziam suas necessidades conversando com outros homens tranquilamente e sem pudor. Aos pés de cada sanitário havia um canal por onde corria a água que servia para umedecer a esponja e se limpar depois do "social"


PROVOCANDO EPIDEMIAS

Na história da humanidade, as medidas que procuravam evitar as doenças convivem com outras que são responsáveis por seu surgimento. Mais que hoje, na Antiguidade, as guerras e as destruições foram fatores de expansão das epidemias.
No começo da século V a.C., a Grécia viu-se ameaçada de invasão pelo Império Persa. As cidades-estados gregas uniram forças contra o inimigo. A fome castigou os acampamentos militares persas que sentiram os sinais de sua fraqueza, comiam grama, capim, folhas e cascas de árvores para que pudessem sobreviver. O caos se instalou com o surgimento de uma epidemia de disenteria nos acampamentos  militares improvisados. A contaminação das águas de riachos e lagoas favoreceu a disseminação da doença que matou muitos guerreiros persas.
A bactéria causadora da infecção intestinal era eliminada pela diarréia no meio ambiente, contaminava a água e os alimentos ingerido pelo exército, fazendo com que a doença se alastrasse .
O debilitado exército persa foi derrotado em Platéias, e a Grécia livrou-se desta ameaça. Desta vez, as cidades gregas contaram com a ajuda das doenças infecciosas para  a defesa de seu território: "peste de Xerxes".
Em decorrência das guerras as cidades-estados gregas formaram uma associação com a finalidade de criar fundos; Liga de Delos. Como Atenas foi a principal responsável pela defesa da Grécia, coube-lhe a administração, o que fortaleceu seu poderio, formou-se o Império de Atenas.
O apogeu do Império Ateniense deu-se no período do comando do General Péricles (495-429 a.C.), por mais de 30 anos. Foi reconstruída a acrópole, iniciaram-se construções grandiosas como o Partenon, ginásios, teatros, estátuas e templos. Os habitantes usufruíram os benefícios do crescimento econômico, social e cultural. As crianças eram encaminhadas ao ensino com sete anos de idade, aprendiam a ler e escrever. A música era ensinada , e educação física era praticada com corridas, saltos.



O Partenon é um símbolo duradouro da Grécia e da democracia, é visto como um dos maiores monumentos culturais do mundo.O Partenon foi construído para substituir um antigo templo destruído por uma invasão dos persas em 480 a.C..


Partenon, numa suposta reconstituição artística
,
Esta situação logo criou descontentamento em Esparta, a segunda maior cidade-estado da Grécia. Esta uniu-se com outras cidades  e investiram contra a hegemonia de Atenas, desencadeando a Guera do Peloponeso em 464 a 431 a.C. Rapidamente a qualidade de vida dos atenienses caiu; foram necessários reunir grande população de refugiados para lutar. Formaram-se aglomerados humanos nas casas e o excedente foi alojado em barracas e cabanas. As condições de higiene desfavoráveis, criaram um terreno propício para a disseminação de epidemias.
Em 430 a.C. uma epidemia alastrou-se sobre a população de Atenas. os cadáveres eram empilhados e moribundos eram reunidos nas proximidades das fontes limpas, alguns morriam em casa sem auxílios, abandonados. A epidemia dizimou cerca de um quarto da população o que facilitou a posterior subjugação para Esparta.
Em 508 a.C. Roma se tornou  a República Romana. Roma viveu uma expansão nas relações comerciais, dominou as demais cidades italianas e conquistou todo o território da península. Enquanto prosperava, eclodiu em 451 a.C. uma epidemia na cidade. As epidemias acompanhariam a história de Roma até a decadência da República.
Tanto Roma quanto cidades gregas almejavam o controle comercial das rotas do Mediterrâneo. A disputa culminou com o conflito pelos interesses econômicos pela ilha de Sicília.
A vitória romana na Sicília foi importante porque Roma conseguiu dominar a rota naval até o  norte da África.
Assim Roma empreendeu sucessivas campanhas militares, somando um número maior de territórios, dominando e recebendo fluxo de dinheiro. Houve saques, impostos, escravidão, safras, indenizações cobradas ao povo subjugado e explorações de jazidas, com a transferência do ouro e prata para o Estado romano. Dos territórios dominados eram enviados prisioneiros para o trabalho escravo em Roma. No final da República e do século I a.C., Roma dispunha de três escravos para cada cinco homens livres.
As imigrações começaram a ocorrer do campo para a cidade de Roma e aliada a constante entrada de escravos, provocou um grande crescimento demográfico. 
As transformações ditadas pelo crescimento da cidade de Roma foram as causas de um série de problemas urbanos. A população não parava de crescer, e sem condições financeiras de habitação, as pessoas eram obrigadas a morar aglomeradas em quartos baratos.
O apogeu das conquistas romanas ocorreu no século II d.C. O Império Romano era então cortado por uma rede de vias ligando diversas regiões da Europa, do norte da África e ao norte europeu e da Ásia a ilha Bretanha. Além das rotas terrestres, desenvolveu -se no Mediterrâneo uma circulação marítima também intensa.
Este vasto e eficiente sistema de transporte desenvolvido pelo Império Romano, criou condições para epidemias de outros continentes, Ásia e África, chegassem à Europa, e condições para as epidemias percorrerem áreas extensas - as primeiras pandemias da História. Como todos os caminhos levavam a Roma, a cidade foi o alvo das epidemias:
Na década de 70 d..C. enquanto os romanos comemoravam a inauguração do Coliseu uma epidemia procedente do Egito, devastou a região central da atual Itália, possivelmente de malária ou anthrax.
Em 125, agora como Império Romano, uma novam epidemia procedente da Africa atingiu Roma, talvez sarampo.
As tropas romanas, no ano 164, após combate, regressaram trazendo consigo epidemia que se alastrou pela Ásia menor, Grécia e Egito e atingiu roma em 166. Onde permaneceu por 15 anos.  No período desta pandemia na península, estima-se que um quarto a um terço da população italiana tenha sido dizimada. No auge da sua incidência, foram contadas duas mil mortes diárias em Roma, que não poupou nem o Imperador Marco Aurélio.
Acredita-se pelos relatos  que tenha sido varíola ou uma doença muito parecida.
No século seguinte, em 250, iniciou-se, na Etiópia, na África uma nova pandemia. Atingiu Roma depois de passar pelo Egito, causando a maior mortalidade e devastação na cidade de Alexandria. Instalou-se no Império Romano e os relatos descrevem cinco mil mortes diárias em Roma.
Diversos fatores contribuíram para a crise do Império Romano, escassez de escravos, número crescente de invasões dos povos bárbaros. No entanto  as epidemias foram coadjuvantes no declínio deste império. Tais catástrofes infecciosas causaram, em parte, a diminuição populacional em toda a Europa entre os séculos III e IV - estima-se de setenta milhões para trinta milhões de habitantes.
Século III d.C., na tentativa de salvar o Império Romano, este foi dividido em dois: o do Ocidente e o do Oriente, este denominado Império Bizantino cuja capital era Constantinopla .
No século VI d.C. o Império Bizantino estava em seu resplendor na época do Imperador Justiniano. Justiniano dedicou-se a tentativa de reconstruir o Império Romano  e empenhou-se na reconquista do Ocidente, mas seu sucesso foi efêmero.
Naquele período Constantinopla desenvolvia e crescia; as embarcações mediterrâneas agora convergia pra lá. Do Egito chegavam embarcações carregadas de trigo, seda e especiarias, navios procedentes da Índia , berço de várias epidemias. Essa rota provavelmente transportou ratos infectados. Os ratos levaram pulgas e a bactéria Yersínia pestis, causadora da peste bubônica.
Em 542, iniciou-se a pandemia da peste muito bem descrita pelo historiador Procópio; apresentava como quadro clínico um estado febril acompanhado de tumorações na virilha, axila ou embaixo da orelha. Se houvesse ruptura dessas tumorações com supuração, o paciente tinha chance de cura, caso contrário, apresentaria piora clínica no quinto dia , com letargia, delírio, vômito sanguinolento e morte. A disseminação da peste bubônica também foi favorecida pela eliminação da bactéria na tosse dos doentes quanto o acometimento era pulmonar.
Durante 4 meses morriam por dia cinco a dez mil pessoas, no primeiro ano acredita-se que tenha morrido trezentas mil. As pessoas trancavam-se em casa com receio que fluidos  sobrenaturais causadores da peste entrassem em suas casas quando estivessem dormindo. Várias cidades ficaram desabitadas em razão da morte de toda população.
Foi uma das epidemias mais devastadores naquela época, e não se sabe por que desapareceu da Europa depois disso. Quando retornou em 1347, mostrou que continuava sendo a epidemia mais temível.






 
La peste d'Ashdod ou le



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